segunda-feira, 3 de março de 2008

Encontro de sábado passado

Oi gente!
No sábado passado tivemos um encontro mais breve que o normal, por causa da concomitância com o documentário que apontamos, contudo foi bem interessante, porque, antes de mais nada, foi um prazer receber tres novos participantes, o casal de apaixonados de viagens Adelaide e Luciano e o Giancarlo, que tem um interessante e agradável site lusófono cujo endereço divulgamos com muito prazer: http://www.ponto.altervista.org/, o portal das comunidades lusófonas na Itália.
Além disso, propus de ler um artigo que me enviou minha amiga Dirlene de Belo Horizonte, da própria Dirlene, aliás Maria Dirlene Trindade Marques, coordenadora do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial e professora de Economia da UFMG.
O texto do artigo, sobre Cuba, é o seguinte:
Uma visão sobre Cuba
Participei de um grupo de mineiros que esteve em Cuba do dia 20 de janeiro a 5 de fevereiro de 2008, nas Brigadas de Solidariedade. A carta renúncia de Fidel e os comentários da imprensa e das diversas pessoas que encontro, me levaram a escrever este texto, considerando o que vivi, vi, ouvi, observei e estudei (li muitos artigos, mas quero chamar a atenção para os artigos do Laerte Braga, Emir Sader, um sobre os Reporteros sin Fronteras, Jesús Rodríguez Díaz [1]e a entrevista com Ignácio Ramonet).
Como todas (os) brasileiras (os), influenciadas (o) pela intensa propaganda, fomos a Cuba procurando a miséria e a ditadura. E, no nosso subconsciente, o povo deveria ser muito passivo e muito bronco, para manter uma ditadura de 49 anos.
E o que encontramos? Tivemos um choque pois encontramos um povo com um nível cultural bem acima da media do povo brasileiro. Tivemos liberdade de ir e vir, de bisbilhotar, entrar em todos os lugares e de conversar com todos. Aliás, até de forma muito invasiva, entrávamos nas casas, nas escolas infantis, nos museus. Procurávamos crianças e adultos de pés no chão, mendigando, dormindo debaixo de marquises, casas miseráveis. Só então entendemos a verdade do out door próximo ao aeroporto: "Esta noite, 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana". Outro: "A cada ano, 80 mil crianças morrem vitimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana". E nós sabemos que milhares delas são da 8a economia do mundo, a brasileira.
Chegamos um dia após o encerramento do processo eleitoral, com a eleição do Parlamento, eleição não obrigatória que teve 95% de participação. E, para nossa surpresa, ficamos sabendo que o Partido Comunista Cubano não é uma organização eleitoral e portanto não se apresenta nas eleições e nem postula candidatos. Os candidatos são tirados diretamente, em assembléias publicas nas diversas formas de organizações existentes: do bairro, das mulheres, jovens, estudantes, campesinas. Que depois vão se reunindo por região, estado e finalmente no nível nacional. Estes representantes nacionais elegem o presidente e o vice. Todos os representantes podem ser destituíveis, a qualquer momento, pelas suas bases, caso não estejam respondendo ao projeto de sua eleição. E vimos como 46% dos eleitos são mulheres (e no Brasil até agora, conseguimos as cotas de 30% para disputar). As estruturas de funcionamento são mais próximas de uma democracia direta. Parece-me um contra-senso chamar este processo de ditadura. Seguramente, é diferente da democracia burguesa, onde após colocar o voto na urna finda a obrigação do eleitor. Os críticos valem-se da mágica de que "o que é bom para os EUA é bom para o resto do mundo". Desconhecem, e não querem que seja conhecido, outro processo de participação popular, como o Cubano.
Tentando também entender o que víamos, um povo simples e culto, simpático e sem stress, procuramos estatísticas: alfabetização de 99,8% (no Brasil 86,30%) e que de 1959 a 2007, a quantidade de escolas passou de 7.679 a 12.717, os professores passaram de 22.800 para 258.000, com uma população em torno de 11 milhões de habitantes sendo o país que o maior índice de professores por habitante do mundo. No IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Cuba figura em 51º lugar. O país conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 para cada 1.000 nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 800 mil diplomados desde 1959 em 67 universidades gratuitas. Dados da Unesco em 2002 relatavam que 98% das residências cubanas possuíam instalações sanitárias adequadas (contra 75% das brasileiras). Dados da CIA, central de inteligência americana, estimavam em 1,9% o desemprego em Cuba. No Brasil, segundo a mesma fonte, o índice era de 9,6% no ano de 2007. E que, a expectativa de vida ao nascer na ilha era de 77,41 anos e no Brasil era de 71,9 anos.
Esses números a despeito de ser uma pequena ilha, ao alcance de um tiro de canhão disparado de Miami e que resistiu a uma tentativa de invasão norte-americana (Baía dos Porcos, 1961) e a várias outras de assassinato de Fidel Castro e ações terroristas orquestradas pela CIA, ter um bloqueio econômico e político apenas rompido por países com autonomia como Venezuela, Bolívia, China e alguns paises da Europa.
E nós, com a arrogância de quem tem todas as informações a partir da imprensa livre brasileira (sic), continuávamos procurando outros sinais de desmandos: e os presos políticos?
De fato, há pessoas detidas, mas não pelo que pensam, mas pelo que fazem, como o de organizar grupos financiados pela embaixada dos EUA. Fora isso, todas as personalidades importantes da dissidência estão em liberdade e têm suas atividades políticas como Martha Beatriz Roque, Vladimiro Roca e Oswaldo Payá [2]. É importante ressaltar que Cuba sofreu intensamente com o terrorismo nos últimos 40 anos, perfazendo mais de 3500 mortos. E fica fácil mostrar a postura dos EUA com documentos oficiais confirmando o financiamento de cubanos exilados para promover ações contra o governo cubano. O museu na Praia Giron (ou Baía dos Porcos) é um monumento de denuncia às ações terroristas, iniciadas desde 1961 quando se rompem as relações e se instaura o bloqueio. Em 1963, o democrata Kennedy aprova o plano de manter todas as pressões possíveis com o fim de perpetrar um golpe de Estado. E sabemos quantas vezes, ao longo destes anos, tentaram matar Fidel Castro, obrigando-o a viver como nômade. Nos anos 90, a Lei Torricelli reforça o bloqueio econômico e, na seção 1705, diz que "Os Estados Unidos proporcionarão assistência governamental adequada para apoiar a indivíduos e organizações não governamentais que promovam uma mudança democrática não violenta em Cuba". Esta lei vai ser reforçada na administração de Clinton, pela Lei Helms-Burton quando diz : "O presidente dos EUA está autorizado a proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não governamentais independentes com vistas a construir uma democracia em Cuba". E o governo Bush não podia ficar atrás e em 2004 aprovou um financiamento de 36 milhões de dólares para financiar a oposição a Cuba, em 2005 mais 14,4 milhões de dólares, em 2006 mais 31 milhões de dólares além do financiamento de 24 milhões de dólares para a Radio e TV Martí [3], transmitida dos EUA para Cuba neste caso, infringindo a legislação internacional que proíbe este tipo de transmissão. Estes valores são fantásticos -105,4 milhoes em apenas 3 anos!!!
Outra dificuldade é entender o funcionamento da economia cubana. Logo após a revolução faz-se uma ampla reforma agrária, instalando uma via muito particular no campo, onde de um lado manteve alguns proprietários privados, como o de tabaco, e de outro, constituindo cooperativas voluntárias ao lado das propriedades estatais. O setor serviços foi todo ele estatizado. Após os anos 90, com as dificuldades dadas pela intensificação do bloqueio e com o fim da União Soviética, foi feita uma grande abertura para entrada do capital internacional no setor turismo, sem desconhecer o risco que isto poderia acarretar. O setor de transformação, inicialmente todo ele estatizado, hoje tem tido parcerias.
Com o nosso olhar de classe média, que podemos fazer uma viagem internacional, nos chocavam alguns problemas com a vida cotidiana como habitações pobres, transporte publico precário, limitações econômicas para se ter até papel higiênico (isto deixava a todos pensando: pobrezinhos dos cubanos!). Isso é verdadeiro, além destes problemas da vida cotidiana, vários outros nos foram apresentados pelo secretario do partido comunista, que fez uma palestra para os brigadistas: o aumento da prostituição, dos pequenos delitos, da corrupção e da desigualdade social. Quando se investiu no turismo e posteriormente com a criação da moeda turística (o peso conversível), cresce de um lado a entrada de divisas e de outro se possibilitou um rendimento para os trabalhadores destes setores, acima do restante da população, ocasionando um aumento da desigualdade social. Afirma ele que vivem numa quádrupla ilha: geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética e bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA. E buscando respostas coletivas para estes problemas, desencadearam um processo interno de críticas e sugestões à Revolução, através das organizações de massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões que pretendem trabalhar mas mantendo os princípios do socialismo: solidariedade e não a competitividade, o coletivo e não o individualismo.
Mas, para nós brasileiros de classe media (somos quantos? Depende da estatística, mas varia de 5 a 10%) e que não conhecemos a realidade dos 90% do povo brasileiro que não tem como pagar um plano de saúde, educação precária, com pouca alimentação, que fica com os restos do desperdício dos 10%, é difícil entender a lógica econômica de uma sociedade voltada para os 100% da população. E ficamos horrorizados por eles não terem papel higiênico. Mas não nos deixam horrorizados que tenham bibliotecas e livrarias em toda escola e em toda cidadezinha ou que tenham acesso à saúde e educação da melhor qualidade, habitação com saneamento e aparelhos eletrodomésticos novos para economizar energia! Ou que não tenhamos encontrado erosão por todos os lugares que andamos!
E a busca do conhecimento? E as escolas? Como é possível ver os círculos infantis, crianças de 1 a 4 anos, assentadas ouvindo historias, sem a professora estar gritando, mandando ficarem quietas? E ver os portões destas escolas abertas e as crianças não fugirem? Como é possível não ter o stress que temos em nossas escolas? E, conversando com as crianças do pré-escolar e do escolar (5 a 11 anos), ficávamos surpresas com as perguntas cheias de inteligência e informação sobre nosso país, que faziam aquelas pequenas crianças. Como nos permitiam entrar nas salas de aulas, fotografar, bisbilhotar as bibliotecas onde encontrávamos livros de Marx a Lênin, de Jorge Amado, Machado de Assis, a Shakespeare? Imagine isto aqui no Brasil? Ficávamos encantadas. Eu, como professora da UFMG, tida como uma das melhores do Brasil, me encantava com aquelas bibliotecas. E as livrarias? Na pequenina Caimito onde ficava o acampamento, literalmente invadimos uma livraria, comprando tudo quanto e tipo de livro, pela sua qualidade e pelo preço (comprei um livro do Boaventura de Souza Santos [4] por 8 pesos cubanos – que equivale mais ou menos a R$ 0,50 -, outro do Che Guevara sobre Economia Política de 397 págs. por 22 pesos cubanos, portanto em torno de R$ 1,40 (e daí para frente).
E o investimento na potencialidade do ser humano não pára aí. O desenvolvimento das artes – dança, pintura, musica, poesia, desportos – é encontrado em cada escola, em cada esquina, em cada cidade.
É claro que também tivemos as frustrações no contato com algumas pessoas, especialmente em Havana onde impera o espírito da cidade turística, onde se busca sempre ganhar alguma coisa, passar a perna, apenas diferenciando-se pela intensidade dos problemas, com as nossas cidades turísticas como Rio de Janeiro. Só que é mais ingênuo, meio estilo anos 60. De todo jeito, frustrante. Também nos entristeceu encontrar tantos cubanos sonhando em sair da ilha, acreditando por exemplo, que o Brasil é um paraíso, visão que tem através das telenovelas (que todos lá assistem).
É mesmo assim uma sociedade muito diferente que nos estimula e atrae.
Aliás, nada melhor para expressar isto do que a crônica do Clovis Rossi (O "pop star" se aposenta) do dia 20 de fevereiro na Folha de São Paulo contando o episodio de um encontro do GATT, que contava com a presença dos chefes de estados, diferentes autoridades mundiais e jornalistas de todo o mundo. Onde o burburinho na sala do encontro e na sala dos jornalistas era enorme, com a atenção dispersa. Quando se anunciou Fidel Castro houve um grande burburinho, com todos procurando o melhor lugar para assisti-lo e "ao terminar, uma chuva de aplausos, inclusive de seus pares, 101% dos quais não tinham nem nunca tiveram nenhum parentesco e/ou simpatia com o comunismo. Difícil entender o que aconteceu alí."
Para terminar, quero colocar uma idéia desenvolvida na mesa redonda integrada por vários cientistas cubanos e sintetizada pelo jornalista Jesús Rodríguez Díaz, falando sobre o potencial no desenvolvimento do conhecimento quando ele se dá de forma coletiva. É que no capitalismo existe uma grande contradição entre o caráter social da produção e o caráter privado da apropriação. Daí, a reação do capitalismo ao papel crescente do conhecimento na economia e a busca da privatização do conhecimento, principalmente através da propriedade intelectual, das barreiras regulatorias e do roubo dos cérebros.
"Temos que insistir também que, quando falamos do Potencial Humano criado pela revolução, não nos referimos exclusivamente à quantidade de conhecimentos técnicos incorporados em nossa população. Mais importante ainda é a semeadura de valores éticos, de atitudes ante a vida. Na sociedade do conhecimento faz falta um cidadão com vocação de aprender e de criar, e de levar seus conhecimentos aos demais seres humanos. Os conhecimentos técnicos nos podem dizer como se trabalha, porém são os valores os que nos fazem compreender porque se trabalha e deles tiramos as motivações e as energias para seguir adiante.
Que se passa agora se os conhecimentos se voltem ao fator mais importante da produção, inclusive os bens de capital? Não é difícil de prever. A resposta do capitalismo é a intenção de converter também o conhecimento em Propriedade Privada. Porém, a boa noticia é que isto não vai funcionar. O conhecimento não e igual ao Capital. Está nas pessoas e não se pode facilmente privatizar. O conhecimento requer circulação e intercambio amplo. As leis da propriedade intelectual inibem este intercambio. O conhecimento é validado pela sua aplicação social, não pela sua venda. O uso amplo dos produtos do conhecimento é o que os potencializa", termina o jornalista. Esta é a grande limitação do raciocínio capitalista em entender a potencialidade da criação coletiva. Ignoram que a criação humana coletiva tem muito mais possibilidades do que as leituras positivistas do conhecimento.
O maior feito desta pequenina ilha, com um povo cheio de dignidade e coragem, terá sido o de mostrar ao mundo que é possível construir uma sociedade baseada no ser humano e não na mercadoria e na acumulação de capital. E isto ameaça o mundo capitalista, e é rejeitada pela imprensa burguesa e pelos setores médios que querem impor as condições de suas vidas para a totalidade do mundo. Mas, Cuba não está só. Existe hoje uma rede internacional de solidariedade ocasionada pelos médicos e professores cubanos em mais de 100 países, pela Operação Milagros, pelas Brigadas de Solidariedade e por todos aqueles que acreditam que Um Outro Mundo é Possível e que lutam pela sua construção. Um Outro Mundo é Possível. Um Outro Brasil é Necessário!
[1] Presidente de la Unión de Periodistas de Cuba.
[2] Cfr. http://www.oswaldopaya.org/es/
[3] Cfr. http://www.martinoticias.com/
[4] (Coimbra, 15 de Novembro de 1940) doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, ganhou especial popularidade no Brasil, principalmente depois de ter participado nas três edições do Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

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